Ensino Médio
Isaias Cavalcante de Oliveira
Introdução
Você sabia que o Brasil tem a maior biblioteca da América Latina, e uma das maiores do mundo? A Biblioteca Nacional do Brasil, localizada no Rio de Janeiro, conta com mais de nove milhões de itens. Sua origem remonta ao século XIX, com a vinda da família real de Portugal e a sua instalação aqui no país. Imagine a quantidade de informações que pode ser encontrada lá! E mais, cada item tem sua identificação, é organizado e protegido, garantindo que essas informações que estão lá possam ser facilmente acessadas quando necessário. E se eu te disser que as nossas células têm um jeito muito parecido de funcionar? O núcleo celular pode ser comparado à Biblioteca Nacional do Brasil: Ele guarda todo o material genético (DNA) que contém todas as informações necessárias para construir um organismo inteiro e tudo isso de forma organizada. O nosso DNA tem tantas letrinhas quanto as do acervo dessa grande biblioteca. Vamos entender melhor?
Estrutura e função
O núcleo (cerca de 5 a 10 μm, micrômetros, a milionésima parte do metro) corresponde ao compartimento intracelular que contém o material genético das células, o DNA (ácido desoxirribonucleico). Em toda sua extensão é delimitado pelo envelope nuclear que apresenta muitos poros que controlam a entrada e saída de substâncias entre o núcleo e o citoplasma, constituindo a sede do controle celular, mais precisamente, o núcleo coordena a expressão dos genes (quando e quanto de cada RNA/proteína será produzido), integrando sinais do ambiente e da própria célula.
Em microscopia apresenta um formato mais ou menos esférico sendo que o tamanho e a forma do núcleo variam conforme a morfologia da célula. Também, se você já observou alguma imagem microscópica do núcleo certamente já notou, dependendo da coloração utilizada para visualização da célula, uma mancha escura em seu interior. Essa região mais densamente corada é chamada de nucléolo. Por que isso acontece? O nucléolo concentra várias enzimas e outras proteínas, além de um tipo especial de RNA (ácido ribonucleico), o RNA ribossômico (ou RNAr). Como o nome indica, são esses RNAs ribossômicos que vão formar os ribossomos, junto com algumas proteínas do citoplasma.
Figura 1 – Estrutura geral do núcleo. Basicamente, é o material genético (DNA, RNA) e proteínas envolvidos por uma membrana com poros. (Crédito: Isaias Cavalcante de Oliveira)
Envelope Nuclear: como é?
O envelope nuclear (também chamado de membrana nuclear ou carioteca) é constituído por duas membranas (uma interna e uma externa), os poros nucleares (aberturas) e uma rede de filamentos chamada de lâmina nuclear.
A lâmina nuclear é composta de uma rede de filamentos intermediários (um dos tipos de proteínas do citoesqueleto) que ficam logo abaixo da membrana nuclear interna e lhe conferem estabilidade (suporte mecânico tanto para o envelope quanto para a cromatina). Elas são muito importantes e mutações nos genes que codificam essas proteínas que constituem a lâmina nuclear dão origem às laminopatias relacionadas a doenças como distrofias musculares, cardiomiopatias, neuropatias, progeria, entre outras patologias.
A membrana interna possui proteínas que estão ligadas à lâmina nuclear e também à cromatina, formando pontos de ancoragem. Já a membrana externa do envelope nuclear é contínua com cisternas do retículo endoplasmático rugoso, compartilhando características de sua membrana, como a presença de ribossomos (as fábricas de proteínas!). Desse modo, seu lúmen, o conteúdo interno chamado de espaço perinuclear, é contínuo com o lúmen do retículo endoplasmático.
Por fim, os poros nucleares são os grandes canais que permitem a passagem de moléculas polares, íons e macromoléculas num fluxo bidirecional, entre núcleo e citoplasma. São constituídos por um conjunto de cerca de 30 diferentes proteínas, ou nucleoporinas. Moléculas pequenas podem difundir-se passivamente; já macromoléculas (como RNAs e proteínas maiores) passam por transporte seletivo, mediado por proteínas carreadoras (como importinas e exportinas) em um processo regulado.
Figura 2 – Núcleo e outras organelas. (Crédito: Isaias Cavalcante de Oliveira)
Todo mundo tem?
O envelope nuclear é tão importante que ele nos ajuda a distinguir dois grandes grupos de organismos, os eucariontes (eucarióticos) e os procariontes (procarióticos).
Os eucariontes (do grego, eu, “verdadeiro”, e karyon, “núcleo”) englobam nós seres humanos, os demais animais, plantas, fungos e os protistas. Nas células destes seres o núcleo é “organizado” e revestido por uma membrana, a carioteca que já comentamos. As células eucarióticas apresentam grande complexidade, tendo em geral muitas organelas membranosas.
Mas em termos funcionais, faz diferença ter núcleo ou não? Muita! A presença de um núcleo celular organizado (delimitado pela carioteca) permite que haja uma separação espacial e temporal entre os eventos que ocorrem no núcleo e no citoplasma. Como exemplos, podemos citar a síntese de DNA (replicação), transcrição e “maturação” (processamento) do RNA ocorrendo no núcleo e a tradução (formação de proteínas) ocorrendo no citoplasma. A existência de compartimentos distintos no interior das células eucarióticas também permite a existência de ambientes com propriedades adequadas para cada tipo de reação química que ocorra em seu interior.
Já os procariotos (pro, “antes”, e karyon, “centro” / “núcleo”) incluem as bactérias e as arqueias (seres morfologicamente semelhantes a bactérias, com alguns “traços” de eucariotos mas com características próprias). Parece até aquele episódio do chaves vendendo refresco de limão, que parece de abacaxi e tem gosto de tamarindo. Nas células procarióticas o material genético fica “livre” no citoplasma (nucleóide), organizado em uma ou mais moléculas de DNA circulares, por vezes associadas a algumas proteínas. Assim, a transcrição e tradução podem ocorrer acopladas (a tradução já começa enquanto o RNA ainda está sendo transcrito).
Figura 3 – Comparação entre uma célula procariótica e eucariótica. A ilustração apresenta o que elas têm em comum: uma membrana celular (membrana plasmática), o material genético, que nas eucariontes fica no núcleo e nas procariontes fica no citoplasma, numa região chamada de nucleóide, e o citoplasma propriamente dito. Ambas as células também apresentam ribossomos. E, em que elas diferem? Você consegue identificar outras estruturas? Fonte: Adaptado de Canva / @sketchifyedu.
DNA, cromatina e cromossomos
O DNA não sai do núcleo e se apresenta associado a diversas proteínas, chamadas histonas (além de proteínas não-histonas) formando a cromatina, um complexo que protege e empacota essa molécula e ainda permite diversos níveis de compactação. Só para você saber, se extrairmos todo o DNA de uma célula somática humana e enfileirarmos cada uma das moléculas, uma após a outra, teremos aproximadamente 2 metros de DNA por célula! É comum ao observarmos o núcleo enxergar regiões mais coradas as quais chamamos de heterocromatina. Isso acontece quando a célula não está se dividindo. Quando há um aumento da síntese de DNA, transcrição e divisão celular a cromatina fica mais afrouxada (menos condensada) e portanto é menos corada, chamada de eucromatina. Essa cromatina vai se enrolando até formar os cromossomos. Nós humanos temos 46 cromossomos, 22 pares comuns tanto para indivíduos masculinos quanto femininos (autossômicos) e os dois cromossomos sexuais X e Y (XY – masculino e XX – feminino).
Nucléolo
O nucléolo, a cada divisão celular, é formado por regiões organizadoras do nucléolo que são genes que transcrevem para rRNAs (RNAs ribossômicos) e regiões não codificadoras. Estas regiões recrutam outros elementos do nucléolo, como fatores de processamento e outros componentes, até completar sua formação. Resumidamente, o produto desses genes são vários rRNAs que vão se ligar a várias proteínas importadas no citoplasma. Após isso as subunidades do ribossomo são formadas e exportadas através dos poros nucleares para o citoplasma, onde se unem quando há síntese proteica.
Tudo interligado: Núcleo, retículo e ribossomos e mais!
Como já vimos, essas organelas interagem de uma forma interessante. O núcleo, mais especificamente o nucléolo, forma os ribossomos que vão fazer parte do retículo endoplasmático rugoso ou do citoplasma. Também é o núcleo quem “diz” o que vai ser produzido uma vez que é nele que ocorre intensa transcrição de RNA. Aqui vai um detalhe legal. As proteínas produzidas no citoplasma geralmente ficam por lá mesmo e cumprem funções dentro da própria célula enquanto que aquelas que são produzidas no retículo endoplasmático são transportadas em vesículas para o Golgi onde são processadas, empacotadas e destinadas a várias estruturas, como os lisossomos, endossomos, membrana plasmática ou secretadas para fora da célula. Quem determina para onde vai tudo isso? Os RNAs. Eles têm um verdadeiro “código de barras”, as sequências sinalizadoras (alguns nucleotídeos) que codificam uma sequência específica de aminoácidos que determina em qual dessas estruturas a proteína madura vai parar.
Com licença, posso entrar no núcleo?
Como vimos, há trocas entre o núcleo e o citoplasma. Mas já parou para se perguntar como as moléculas são identificadas e “sabem” para onde ir? Lembra da biblioteca nacional? Cada livro tem um código que o classifica por tema, autor, título e outras coisas. Da mesma forma, cada molécula carrega um sinal de localização nuclear, que são sequências de aminoácidos que “endereçam” as moléculas e são reconhecidas pelos receptores de transporte dos compartimentos que as direcionam aos poros. Em geral são sequências que contêm repetições de aminoácidos básicos como lisina e arginina (Lys, Arg) e podem estar em diferentes regiões da molécula. Como você sabe, os livros não param lá sozinhos e há pessoas que os organizam, assim, para entrar ou sair do núcleo, essas moléculas atravessam os poros e são auxiliadas por proteínas transportadoras, chamadas de receptores. Na importação, os sinais são reconhecidos por receptores de importação nuclear (ou importinas), e o processo de exportação funciona de forma semelhante através dos receptores de exportação nuclear (ou exportinas) e de sinais de exportação nuclear, no sentido oposto. Faz sentido?
E na divisão celular?
Durante a divisão celular (mitose) os cromossomos são condensados (compactados), o nucléolo é desfeito e o envelope nuclear se fragmenta e assim como parte do retículo endoplasmático. Os poros nucleares tem suas unidades e fibras dissociadas e a lâmina nuclear sofre despolimerização, com ajuda de enzimas. O destino destas estruturas fragmentadas varia um pouco: parte das proteínas dos poros se ligam a receptores de importação nuclear, outras formam vesículas, difundem-se pela membrana do retículo ou misturam-se com as proteínas citoplasmáticas. Ademais, há nesse processo a participação de proteínas motoras como as dineínas, que “caminham” ao longo dos microtúbulos, carregando organelas ou partes dessas, e participam ativamente no rompimento do envelope nuclear.
Ao final da mitose, ocorre uma gradual descondensação cromossômica e ao mesmo tempo formação de novos envelopes nucleares, sendo esse processo sinalizado por enzimas chamadas de cinases (quinases) dependentes de ciclina. O envelope nuclear é formado a partir das vesículas que foram geradas anteriormente em seu rompimento somado às proteínas integrais de membrana, além da associação das fibras dos poros nucleares e da polimerização e nova formação da lâmina nuclear. As membranas se ligam aos cromossomos e se fusionam umas às outras. Logo, o conteúdo citoplasmático torna a se isolar do conteúdo nuclear e as proteínas que possuem as sequências de localização nuclear são novamente importadas e o núcleo pode efetuar o seu tamanho. Conforme os cromossomos descondensam a transcrição é retomada e o nucléolo reaparece iniciando sua atividade. E aí, curtiu??
Referências
AGÊNCIA BRASIL. Brasil tem a maior biblioteca da América Latina. 16 mai 2021. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-05/brasil-tem-maior-biblioteca-da-america-latina>.
ALBERTS, B. et al. 2017. Biologia Molecular da Célula. 6ª ed. Artmed.
COOPER, G. M.; HAUSMAN, R. E. A Célula, Uma Abordagem Molecular. 3 ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
KHAN ACADEMY. Núcleo e ribossomos (artigo). [s.d]. Disponível em: <https://pt.khanacademy.org/science/biology/structure-of-a-cell/prokaryotic-and-eukaryotic-cells/a/nucleus-and-ribosomes#:~:text=Um%20ribossomo%20%C3%A9%20feito%20de,%2C%20formando%20um%20%22sandu%C3%ADche%22.>.
OSORIO, TEREZA COSTA (Org.). Ser protagonista: Biologia, 1° ano : Ensino médio. 2. ed. São Paulo: Edições SM, 2013.
SILVA J., CÉSAR; SASSON, SEZAR; CALDINI J., NELSON. Biologia, 1 – Ensino Médio. 12. ed. São Paulo : Saraiva, 2016.
