Colágeno

Arthur Tributino Menezes

Introdução
A maioria das pessoas alguma vez já deve ter ouvido falar sobre colágeno. Talvez em propagandas de cremes de beleza na televisão, os quais prometem rejuvenescer a pele, ou ainda alguém que nos diz que “é bom comer gelatina porque tem bastante colágeno”. Mas será mesmo que aqueles cremes de beleza com colágeno têm algum efeito sobre a pele? E por que deveríamos comer gelatina ou qualquer outro alimento rico em colágeno? Afinal, o que é e pra que serve o colágeno?

O colágeno é um tipo de proteína fibrosa constituinte da matriz extracelular presente em todos os animais multicelulares, tendo a função de contribuir com a resistência e a elasticidade dos tecidos. Está presente nos tecidos conjuntivos do organismo, como ossos, tendões, cartilagens, veias, pele, dentes, músculos e camada córnea dos olhos. É bastante abundante na pele e nos ossos, chegando a representar cerca de 25% da massa protéica total em mamíferos.

Uma molécula de colágeno típica apresenta uma estrutura bastante longa e rígida, devido a sua estrutura em hélice tripla, o que a confere um aspecto semelhante a uma corda firmemente torcida. Cada cadeia polipeptídica de colágeno dessa hélice tripla é denominada de cadeia α, as quais são bastante ricas em aminoácidos prolina e glicina, sendo essa uma característica importante para a conformação em tripla hélice típica das moléculas de colágeno. Assim, a estrutura em anel da prolina estabiliza a conformação de cada cadeia α, enquanto a glicina, que ocupa a região central da cadeia e possui um tamanho pequeno, permite o firme agrupamento das três cadeias na formação da tripla hélice (figura 1).

Figura 1 – a) e b): modelos mostrando a estrutura geral da cadeia α de colágeno. A cadeia é composta por sequências de três aminoácidos glicina-X-Y, onde X e Y podem ser quaisquer aminoácidos, porém comumente são prolina e hidroxiprolina, respectivamente. c) três cadeias α se entrelaçam entre si para formar a tripla hélice de colágeno.

Síntese do colágeno

Os precursores das fibrilas de colágenos são produzidos e secretados por diversos tipos celulares, principalmente fibroblastos. A síntese das cadeias α do colágeno, como a de qualquer outro tipo de cadeia polipeptídica, ocorre através da expressão de genes específicos. No genoma humano há cerca de 42 genes que codificam diferentes cadeias α que podem associar-se entre si para compor uma fibra de colágeno, o que possibilitaria um enorme número de diferentes moléculas de colágenos com diferentes combinações de triplas hélices diferentes. No entanto, somente alguns poucos tipos de moléculas de colágeno foram encontradas.

Assim, as cadeias α do colágeno são traduzidas, a partir dos respectivos RNAs mensageiros, em forma de cadeias pró-α pelos ribossomos associados ao retículo endoplasmático rugoso (RER). Essas cadeias pró-α apresentam peptídios sinal aminoterminais, que dirigem esse polipeptídio para o RER, bem como aminoácidos adicionais denominados pró-peptídios em suas extremidades N e C terminais. Na luz do RER, algumas lisinas e prolinas são hidroxiladas a hidroxiprolinas e hidroxilisinas, e algumas dessas últimas são glicosiladas. Então, três dessas cadeias pró-α se associam pela formação de pontes de hidrogênio entre si formando o pró-colágeno. Este último então é secretado pela célula e, em seguida, os pró-peptídios das extremidades são clivados por enzimas específicas, o que converte as moléculas de pró-colágeno em moléculas de colágeno, e essas então associam-se entre si no espaço extracelular para compor as fibrilas de colágeno (Figura 2).

Figura 2 – Esquema simplificado ilustrando os passos da síntese das fibras de colágeno.

Podemos perceber que os pró-peptídeos presentes nas extremidades das moléculas de pró-colágeno têm um papel importante: além de guiar a formação das hélices triplas eles impedem a polimerização dessas no interior da célula, pois eles só são removidos após a secreção do pró-colágeno. No espaço extracelular ocorre a formação das fibrilas de colágeno, e essas então vão compor as fibras de colágeno (Figura 3).

Figura 3 – Organização das fibrilas de colágeno na formação das fibras.

Como há vários passos enzimáticos na via de síntese das fibras de colágeno, podemos imaginar como este processo é vulnerável aos efeitos de mutações genéticas. De fato, há doenças conhecidas associadas a tais mutações, como a osteogênese imperfeita, caracterizada por fraquezas dos ossos e facilidades de fraturas; a condrodisplasia, onde o indivíduo apresenta uma cartilagem anormal que leva a deformações nos ossos e nas articulações; e a síndrome de Ehlers-Danlos, caracterizada por pele frágil e articulações hiperflexíveis.

O escorbuto é outra doença relacionada com defeitos na via de síntese do colágeno. A hidroxilação das prolinas é um passo importante nessa via, pois é através das hidroxilas adicionadas às prolinas que ocorre a formação das pontes de hidrogênio intercadeias que irão estabilizar a conformação da tripla hélice no pró-colágeno. Essa hidroxilação é prejudicada na deficiência de àcido ascórbico (vitamina C), de modo que os indivíduos com uma dieta pobre em vitamina C podem desenvolver o escorbuto. Assim, a tripla hélice do pró-colágeno fica instável e essa é degradada, o que leva a uma deficiência na produção de colágeno, o qual precisa ser constantemente renovado. Em longo prazo isso pode provocar o rompimento de vasos, a perda de dentes e prejudicar o processo de cicatrização da pele. Essa doença era bastante comum em marinheiros no século XVI, quando ainda não se conhecia a causa. Como estas pessoas passavam muito tempo em longas viagens pelo mar, a deficiência de vitamina C em sua dieta acabava levando ao escorbuto. Um estudo bem mais recente, de 1998, detectou alguns estudantes universitários da Arizona State University que provavelmente tinham escorbuto. Esses estudantes só comiam vegetais refogados e raramente consumiam frutas frescas. O cozimento excessivo dos vegetais degrada a vitamina C presente nestes, o que contribuiu com a deficiência dessa vitamina na dieta dessas pessoas.

 Tipos de colágeno

Há diferentes tipos de colágenos, sendo o mais comum o colágeno do tipo I, que pertence ao conjunto dos colágenos formadores de fibrilas e é bastante abundante na pele e nos ossos. Há ainda alguns tipos de colágenos que se associam a outros, como os tipos IX e XII, e também os formadores de rede, como o do tipo IV.

 Obtenção industrial do colágeno

O colágeno pode ser obtido de diversas espécies animais (boi, porco, peixes, entre outros). No Brasil, a grande produção de carne bovina possibilita o reaproveitamento dos subprodutos para a extração comercial de colágeno. Um dos materiais dos quais essa extração pode ser feita é o proveniente de resíduos da derme e do tecido subcutâneo bovino. Esse material passa por várias etapas de processamento, incluindo o uso de reagentes químicos e o tratamento térmico para remoção dos demais compostos e obtenção do colágeno. Esse então pode ser utilizado na indústria alimentícia (ex.: gelatina), cosmética (ex.: cremes para a pele), farmacêutica (ex.: veículo para medicamentos), entre outras.

Agora que já conhecemos um pouco mais sobre o colágeno, talvez possamos refletir sobre as questões levantadas inicialmente:

  • O colágeno presente em cremes de beleza podem ter algum efeito no sentido de ajudar na reciclagem do colágeno da pele?
  • Consumir alimentos com colágeno traz algum benefício para a saúde?

Referências bibliográficas

  • Alberts, et al. 2011. Biologia Molecular da Célula. 5ª ed. Artmed.
  • Nelson, D. L. & Cox, M. M. 2011. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 5ª ed. Artmed.
  • Silva TF, Penna ALB. Colágeno: Características químicas e propriedades funcionais. Rev Inst Adolfo Lutz. São Paulo, 2012; 71(3):530-9.