Secreção de Hormônios Tireoidianos

Arthur Tributino Menezes

Introdução

O corpo humano apresenta uma variedade de glândulas endócrinas que basicamente possuem a função de produzir e excretar hormônios que irão participar da regulação de diversos processos metabólicos. São elas a hipófise (ou pituitária, que está constituída pela adeno-hipófise e a neurohipófise), adrenais (ou suprarrenais nos humanos, por se localizarem acima dos rins), ilhotas de Langherhans (no pâncreas), tireoide, paratireoides, glândula pineal (ou epífise neural) e as gônadas (testículos nos machos e ovários nas fêmeas).

Figura 1 – Principais glândulas endócrinas do corpo humano e a sua localização. (Créditos: Edilson Jacob)

As glândulas do corpo humano se formam a partir de células de epitélios de revestimento que se proliferam e invadem o tecido conjuntivo abaixo delas, e em seguida sofrem diferenciações adicionais. De acordo com o que ocorre durante essa fase de diferenciação, teremos a formação de uma glândula exócrina ou endócrina.

As glândulas classificadas como exócrinas mantém a sua conexão com o epitélio de origem após a sua diferenciação se completar. Essa conexão irá constituir um ducto através do qual as secreções da glândula serão eliminadas (ex.: glândulas sudoríparas; glândulas sebáceas; glândulas mamárias, entre outras).

Já as chamadas glândulas endócrinas perdem a conexão com o epitélio de origem durante a sua diferenciação, e suas secreções são transportadas pelo sangue, através de capilares sanguíneos que estão presentes na estrutura dessas glândulas. As glândulas endócrinas podem ainda ser organizadas em dois tipos de acordo com a organização de suas células. As glândulas endócrinas ditas cordonais são formadas por cordões anastomosados de células entremeados por capilares sanguíneos (ex.: adrenal, paratireoide, lóbulo anterior da hipófise). No outro tipo, as glândulas endócrinas são formadas por vesículas ou folículos preenchidos por secreções das células de revestimento (ex.: tireoide).

Neste texto trataremos especificamente da tireoide, discutindo as características histológicas dessa glândula, aspectos da produção de hormônios e a função destes no organismo.

Hormônios
Hormônios são sinalizadores químicos que participam da regulação de diversos processos metabólicos em um organismo: pressão arterial, digestão, processos de embriogênese, diferenciação sexual, entre vários outros. Em cooperação com o sistema nervoso, o sistema endócrino participa da regulação de uma miríade de processos que ocorrem no organismo o tempo todo, desde o seu desenvolvimento embrionário até o fim de sua vida. De um modo geral, o mecanismo de comunicação hormonal envolve uma célula produtora do hormônio, o hormônio em si e a célula-alvo (que pode inclusive ser a própria célula produtora do hormônio). Assim, podemos classificar os hormônios como endócrinos (são liberados no sangue e transportados pela circulação para atingir suas células-alvo), parácrinos (são liberados no espaço extracelular e atuam em células-alvo vizinhas) e autócrinos (atuam em receptores na superfície da própria célula que o produziu).

Os hormônios são produzidos em quantidades extremamente pequenas no organismo, e a sua ação é altamente específica e potente. Assim, quantidades muito pequenas de hormônios em circulação no sangue, por exemplo, podem ser reconhecidos por receptores específicos na superfície das células nas quais eles irão atuar e desencadear os processos nos quais eles estejam envolvidos. A título de curiosidade, e para se ter uma ideia de quão pequena é a quantidade em que um hormônio é produzido por um organismo, podemos citar os experimentos realizados para a caracterização do TSH (hormônio liberador de tireotropina). Os cientistas Andrew Schally e Roger Guillemin purificaram e caracterizaram independentemente esse hormônio de hipotálamos. Para isso, o grupo de Schally utilizou 20 toneladas de hipotálamos de aproximadamente 2 milhões de ovelhas! E o grupo de Guillemin extraiu hipotálamos de cerca de 1 milhão de porcos! Felizmente, atualmente já dispomos de técnicas mais avançadas que permitem a detecção e o estudo de hormônios de forma mais rápida e precisa (como o radioimunoensaio, ou RIE), mesmo na pequena quantidade em que são produzidos.

A ação hormonal ocorre através da interação destes com receptores celulares altamente específicos. Nas células, esses receptores podem estar na membrana celular, no citoplasma ou ainda no núcleo e os hormônios se ligam a esses receptores com alta afinidade. O espectro de receptores hormonais apresentados por uma célula define a capacidade de resposta dessa célula a um determinado grupo de hormônios, e ainda pode ocorrer que um mesmo hormônio desencadeie processos diferentes em células diferentes, devido aos diferentes alvos intracelulares, por exemplo. Além disso, os receptores hormonais também atuam como amplificadores do sinal da ligação do hormônio, através da ativação de catalisadores que produzem uma grande quantidade de segundos mensageiros.

Essa pequena compilação de uma parte de como funciona a sinalização hormonal nos dá uma ideia de quão complexo é o sistema endócrino, e como substâncias produzidas em quantidades tão pequenas podem ter um papel fundamental orquestrando tantos processos metabólicos interligados. Passemos agora para o estudo mais específico da glândula tireoide e dos hormônios produzidos por essa.

Tireoide

A tireoide é uma glândula endócrina que no corpo humano está localizada na parte frontal do pescoço, logo abaixo do “pomo de adão” e acima da base do pescoço. Ela se assemelha a uma massa de tecido que de dispõe em dois lóbulos (esquerdo e direito) unidos por um istmo (Figura 2).

Figura 2 – Localização da glândula tireoide no corpo humano e sua anatomia geral. (Créditos: Edilson Jacob)

A origem embrionária da tireoide é endodérmica, mais especificamente, se origina da porção cefálica do tubo digestivo, sendo que ela é a primeira glândula endócrina a surgir durante o desenvolvimento do embrião humano. Esta glândula é formada por milhares de folículos, que são pequenas esferas de material secretado envolvidas por células epiteliais (células foliculares tireoidianas ou tireócitos) (Figura 3).

Figura 3 – Esquema de um corte histológico da tireoide com algumas estruturas identificadas. As células foliculares identificadas na figura também são conhecidas como tireócitos. (Créditos: Edilson Jacob)

Os folículos da tireoide estão preenchidos por coloide, e são entremeados por capilares sanguíneos com endotélio do tipo fenestrado. É através desses que os precursores para a síntese dos hormônios tireoidianos chegam às células foliculares e os hormônios produzidos na glândula atingem a corrente sanguínea (veremos esses processos com mais detalhes adiante). O fato de os vasos serem do tipo fenestrado facilita a troca de substâncias entre o sangue circulante e as células da glândula.
Outro tipo celular presente na tireoide são as células parafoliculares ou células C. Como o próprio nome sugere, essas células encontram-se agrupadas entre os folículos. Elas possuem uma origem embrionária diferente das demais células da tireoide, agregando-se a esta glândula durante a sua migração no desenvolvimento embrionário. As células C estão relacionadas com a secreção de calcitonina, um hormônio que participa da homeostase de cálcio no organismo.

Hormônios da tireoide
Os principais hormônios sintetizados pela glândula tireoide são conhecidos como T3 (3,5,3’-L-tri-iodotironina) e T4 (tiroxina). Esses hormônios estão relacionados principalmente a processos de desenvolvimento, crescimento e metabolismo no organismo.

Um elemento importante presente na estrutura química desses hormônios é o iodo, daí a importância do consumo adequado deste elemento em nossa alimentação diária. Na alimentação, obtemos o iodo tanto na forma orgânica (I2) como na forma inorgânica (I, ou iodeto). No intestino, o iodo ingerido é todo convertido em iodeto, o qual é absorvido e transportado para o plasma sanguíneo. O iodeto circulante então é absorvido principalmente pela tireoide, a qual o utiliza na síntese dos hormônios, e também pelos rins de onde ele será excretado na urina.

Síntese e armazenamento dos hormônios tireoidianos
Agora iremos acompanhar a síntese dos hormônios tireoidianos desde a captação do iodeto no plasma sanguíneo até a liberação dos hormônios no sangue.
Como ilustrado na figura 4 abaixo, o iodo circulante no plasma sanguíneo é captado pelos tireócitos através de um transportador de membrana (NIS) dependente de energia do tipo simporte, ou seja, o transporte do iodeto é feito de forma concomitante ao transporte de outro íon (Na+) na mesma direção (nesse caso, de fora para dentro da célula).

Figura 4 – Esquema de um tireócito (ou célula folicular) representando a captação do iodo no sangue e a síntese dos hormônios tireoidianos na região apical da célula, a qual está voltada para o lúmen do folículo preenchido por coloide (ver figura 3 acima). Baseado em Aires et al., 2012. (Créditos: Edilson Jacob)

Uma vez no citoplasma, o iodeto difunde-se em direção à região apical da célula chegando ao lúmen do folículo, através do transporte pela proteína de membrana apical pendrina (PDS). No lúmen do folículo, o iodo é oxidado pela tireoperoxidase (TPO), enzima presente na membrana apical dos tireócitos. Essa reação é catalisada também por peróxido de hidrogênio (H2O2) como doador de oxigênio, sendo que o peróxido é formado pela oxidase tireoidiana (ThOX), com a oxidação de NADPH. O iodo oxidado então é incorporado aos resíduos de tirosina (Tyr) da molécula de tireoglobulina (Tg), em uma reação catalisada pela TPO. A tireoglobulina (Tg) é sintetizada pela própria célula, conforme indicado na figura pelas setas vermelhas. A incorporação de uma molécula de iodo à Tg gera uma monoiodotirosina (MIT), e a incorporação de duas moléculas de iodo gera uma diiodotirosina (DIT). No passo seguinte, o acoplamento de uma MIT com uma DIT, o qual é catalisado pela própria TPO, vai originar o T3, enquanto o acoplamento de duas DIT gera T4. T3 e T4 permanecem no lúmen folicular ligados à Tg constituindo o estoque desses hormônios na glândula tireoide, com o qual uma pessoa poderia contar por até 50 dias caso a sua glândula tireoide parasse de produzir e estocar esses hormônios. Essa capacidade de estocar grandes quantidades de hormônio produzido na forma de um coloide é uma particularidade da glândula tireoide, sendo que nenhuma outra glândula endócrina o faça.

A mobilização desses hormônios armazenados no coloide ocorre através da captação de gotículas do coloide contendo Tg pelos tireócitos. Em condições fisiológicas essa captação é feita por micropinocitose, enquanto que sob o estímulo de TSH (hormônio tireotrófico, proveniente da hipófise) ocorre macropinocitose. Em ambos os casos, as vesículas contendo gotículas do coloide se fundem com lisossomos contendo enzimas que irão digerir a Tg que está ligada a T3, T4, MIT e DIT. Em seguida, T3 e T4 são liberados para a corrente sanguínea por difusão, enquanto MITs e DITs são reaproveitados em uma nova síntese dos hormônios que voltam então a ser armazenados no coloide.

Disfunções tireoidianas
Os hormônios da tireoide estão relacionados com inúmeros processos metabólicos em diversos tecidos do corpo humano. Sendo assim, é de se esperar que qualquer problema na correta produção de hormônios por essa glândula afete uma miríade de processos metabólicos, e isso realmente acontece. Grande parte das disfunções tireoidianas é devida a uma produção excessiva de hormônios (hipertireoidismo) ou uma produção escassa dos mesmos (hipotireoidismo).

Algumas das consequências do hipertireoidismo podem ser: perda de peso, irritabilidade, ansiedade e nervosismo, diarreia, suor excessivo. Já o hipotireoidismo pode causar: ganho de peso, constipação, intolerância ao frio, pele e cabelos secos.

Uma das doenças mais graves que podem afetar essa glândula é o câncer de tireoide, o tipo mais comum de câncer endócrino. Na maioria dos casos (cerca de 90%), os nódulos são benignos, porém quando não o são isso se torna um grande problema com o risco das células cancerígenas se espalharem pelo corpo e atingirem outros órgãos, o que pode ser fatal. A maioria das pessoas com câncer da tireoide não apresentam sintomas. O diagnóstico do câncer da tireoide é feito por um médico, através da palpação da região do pescoço onde se encontra a glândula, em busca de possíveis nódulos. Amostra dos nódulos podem ser coletadas para análise e identificação do tipo de câncer para que seja escolhido o tratamento adequado.

Hábitos alimentares saudáveis e a prática regular de exercícios físicos auxiliam no tratamento de pessoas que apresentam disfunções tireoidianas. O diagnóstico deve ser feito por um médico que irá dar as orientações necessárias para cada caso, de modo que o paciente possa viver com uma boa qualidade de vida.

Links interessantes sobre a tireoide!

Referências

  • Aires, M. M. et al. 2012. Fisiologia. 4ª ed. Guanabara Koogan;
  • Alberts, et al. 2011. Biologia Molecular da Célula. 5ª ed. Artmed;
  • Entendendo o câncer da tireoide. Sociedade Brasileira de endocrinologia e metabologia. Disponível em: < https://www.endocrino.org.br/entendendo-o-cancer-de-tireoide/>. Acesso em 29/02/2016.
  • Guyton & Hall, 2011. Tratado de Fisiologia Médica. 12ª ed. Elsevier;
  • Nelson, D. L. & Cox, M. M. 2011. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 5ª ed. Artmed.