Microscopia Eletrônica

Dr. Jônatas Bussador do Amaral e Dra. Paola Cristina Branco

Uma breve descrição histórica

A microscopia é caracterizada por um conjunto de técnicas que possibilitam uma melhor compreensão, observação e manipulação de estruturas que se encontram abaixo do limite de resolução do olho humano (objetos ao redor de 0,2 mm). A utilização de microscópios para esse fim permitiu, ao longo do tempo, um aumento gradativo do poder de ampliação associado com uma melhoria na resolução (isto é, na capacidade de visualizar dois pontos muito próximos). Dentre os diversos tipos de microscópios, o microscópio eletrônico destaca-se pelo fato da formação da imagem ser uma resultante da interação de elétrons com o material analisado.

No decorrer da história, podemos dizer que o surgimento da microscopia eletrônica iniciou-se, de maneira indireta, com os trabalhos desenvolvidos pelo pesquisador alemão Ernst Karl Abbe (1873). Abbe demostrou uma relação entre o comprimento de onda de diferentes radiações e a formação da imagem em microscopia. Dava-se início um novo campo de pesquisa onde, em teoria, à medida que se diminuía o comprimento de onda de uma radiação, maior seria o poder resolutivo de um microscópio. Após a descoberta dos elétrons por Joseph John Thomson (em 1897), Louis-Victor de Broglie, em 1924, descreveu a dualidade onda-partícula. Neste trabalho, foi demostrado que um feixe de elétrons poderia ter as propriedades de uma onda semelhante as da luz. Posteriormente, em 1926, Hans Busch desenvolveu uma série de experimentos os quais culminaram no controle da trajetória dos feixes de elétrons utilizando-se de bobinas magnéticas.

Neste contexto, no ano de 1932, dois pesquisadores alemães Ernst Ruska e Max Knoll (Figuras 1 e 2), desenvolveram o primeiro protótipo do que seria denominado de microscópio eletrônico de transmissão. Este período inicial (que se estendeu até o início da segunda guerra mundial) foi marcado por diferentes descobertas que tinham como objetivo melhorias no funcionamento deste tipo de microscopia.

Figura 1:

Knol e Ruska trabalhando em um dos primeiros microscópios eletrônicos (imagem gentilmente cedida por Ernst Ruska Archive, Berlim).

Figura 2:

Uns dos primeiros esquemas de um microscópio eletrônico feito no caderno de anotações de Ernst Ruska (imagem gentilmente cedida por Ernst Ruska Archive, Berlim).

Nesta época, Ladislos Marton conseguiu, em 1934, observar cortes de folhas de Drosera intermedia descrevendo pela primeira vez o uso desta microscopia em materiais biológicos (Figura 3).

Figura 3:

Primeira imagem de material biológico (seta) feita por Ladislos Marton em 1934 (Reprodução permitida por Nature Publishing Group).

Entretanto, devido ao efeito do feixe sobre a amostra, a qualidade da imagem não foi satisfatória. A solução deste problema veio, de maneira concomitante, com a melhoria de algumas técnicas, como, por exemplo:

  • A fixação, com uma maior conservação das estruturas celulares e aumento da resistência ao feixe de elétrons;
  • As propriedades das resinas, permitindo uma maior dureza, estabilidade ao feixe de elétrons e viscosidade mais adequada;
  • O corte da amostra, com o desenvolvimento de navalhas de vidro e de diamante associados a aparelhos que permitem cortes ultrafinos (ultramicrótomo);
  • A melhoria do contraste, com a adição de metais pesados que impeçam a trajetória dos elétrons sobre a amostra gerando assim áreas elétron lúcidas (mais claras) e elétrons densas (mais escuras).

 

Na tabela que se segue, estão descritas importantes descobertas da área de microscopia eletrônica.

Ano Descobertas
1947 Introdução do uso de tetróxido de ósmio e da ultramicrotomia
1949 Uso do metacrilato como meio de embebição
1950 Uso das navalhas de vidro
1952 Sistema tampão começa a ser utilizado no processo de fixação
1953 Desenvolvimento dos ultramicrótomos Sorvall MT-1 ®
1953 Desenvolvimento das navalhas de diamante
1956 Uso de resinas epóxi no meio de embebição
1958 Utilização de chumbo e uranio para obtenção de contraste
1961 Uso de resina Epon
1963 Utilização de glutaraldeído como fixador primário

 

Após diversas inovações tecnológicas serem adicionadas as acima descritas, o desenvolvimento da microscopia eletrônica derivou-se para dois importantes aparelhos: o Microscópio Eletrônico de Transmissão (Figura 4A) e o Microscópio Eletrônico de Varredura (Figura 4B).

Figura 4:

Modelos de microscópios eletrônicos de transmissão (A) e varredura (B). Imagens cedidas e com o uso autorizado pela Carl Zeiss do Brasil.

O microscópio eletrônico de transmissão

Como o próprio nome sugere, o princípio de funcionamento deste aparelho está baseado na transmissão dos elétrons através da amostra analisada. Os elétrons, devido a uma diferença de potencial e/ou uma ação termoiônica, saem do canhão eletrônico (filamento) e percorrem toda a coluna do microscópio. Por terem sua trajetória alterada pelos átomos presentes no ar, o ambiente no interior da coluna é de vácuo, haja vista que o choque com os átomos no interior da coluna desviariam os elétrons.

A formação da imagem na microscopia eletrônica de transmissão é uma resultante da interação do feixe de elétron com a amostra. Dois aspectos devem ser superados para que isso possa ocorrer: a visualização desta interação e o pouco contraste de materiais biológicos submetidos a esta técnica. Para se resolver estas questões, durante o processamento das amostras é adicionado elementos com um número atômico elevado tais como o Chumbo, Urânio e o Ósmio. Assim, quando incorporado nas estruturas celulares, estes elementos desviam os elétrons. Como consequência disto, nem todos os elétrons emitidos chegarão ao final da coluna do microscópio, assim, será gerado um contraste entre áreas elétron-lúcidas e as elétron-densas (Figura 5). A visualização dos elétrons ocorre de maneira indireta, devido à emissão de luz após o estímulo dos elétrons na superfície do ecran (Figuras 5 e 6).

Figura 5:

Imagem obtida em um microscópio eletrônico de transmissão, onde é possível observar o interior de uma célula tumoral mantida em laboratório. Abaixo, esquema mostrando como ocorre a formação de imagem neste tipo de microscopia.

Figura 6:

Esquema mostrando o interior de um microscópio eletrônico de transmissão.

Para que os elétrons possam atravessar o material, as amostras biológicas devem ser fixadas (normalmente em soluções contendo aldeídos), pós-fixadas (com Tetróxido de Ósmio), contrastadas (com Acetato de Uranila) desidratadas e posteriormente emblocadas em resina. Após este processamento, são efetuados cortes de espessura na ordem de nanômetros sendo estes colocados em pequenos suportes (telas). Isso faz com que o material observado seja uma fração (uma fatia), do material inicialmente processado. Desta forma, os resultados obtidos com esta técnica permitem observar com detalhes estruturas no interior da célula em grandes aumentos e com uma resolução muito melhor do que as obtidas na microscopia de luz.

Uma das limitações da microscopia eletrônica de transmissão está na impossibilidade de se analisar células vivas (elas não resistem à ação deletéria dos feixes de elétrons sobre a amostra). Tal problema vem sendo parcialmente contornado com a utilização de uma técnica denominada de microscopia de correlação. Nesta técnica, uma mesma estrutura vista ao microscópio de luz pode ser posteriormente fixada e processada para microscopia eletrônica de transmissão. Assim, é possível acompanhar um comportamento celular na microscopia de luz e observar os detalhes desta ação na microscopia eletrônica de transmissão.

É indiscutível a importância da microscopia eletrônica de transmissão. Foi a partir dela que compreendemos melhor as estruturas presentes no interior da célula. Esta técnica permitiu visualizar em detalhes estruturas que eram somente conhecidas em arrazoados teóricos. Mecanismos podem agora ser visualizados e, utilizando-se de marcadores, é possível acompanha-los no interior de organelas e até em macromoléculas.

 

A microscopia eletrônica de varredura

Apesar de possuir um princípio de funcionamento semelhante, inclusive com estruturas e mecânismos iguais (como por exemplo, o uso de lentes magnéticas) (Figura 7), a formação da imagem na microscopia eletrônica de varredura ocorre de maneira diferente. Nesta técnica, as imagens são formadas por sinais coletados após a amostra ser “varrida” pelo feixe de eletróns. A interação entre o feixe e a amostra pode liberar diversos sinais (elétrons secundários,elétrons retroespalhados, raios X entre outros). Desta maneira, é possível obter em uma mesma amostra diferentes informações ao se utilizar diferentes detectores.

Figura 7:

Esquema mostrando o interior de um microscópio eletrônico de varredura.

Como a interação com o feixe de eletrons ocorre na superfície da amostra, este tipo de microscopia permite imagens ampliadas semelhantes às obtidas em um estereomicroscópio (lupa), obviamente com uma grande resolução e possibilidades de aumentos maiores (Figura 8).

Figura 8:

Imagem obtida em um microscópio eletrônico de varredura, onde é possível observar a superfície de células tumorais em mantidas em laboratório. Abaixo, esquema mostrando como ocorre a formação de imagem neste tipo de microscopia.

No preparo da amostra para microscopia eletrônica de varredura, o material precisa ser fixado (também com uma solução contendo aldeídos) e desidratado. Todavia, pelo fato de se analisar a superfície da amostra, o material precisa passar por um procedimento denominado de ponto crítico. Nesta fase do processamento, gradativamente, há uma substituição do solvente de desidratação (normalmente acetona) por dióxido de carbono na fase líquida. Para que isso ocorra, esta substituição é feita em um aparelho que ao aumentar a pressão, mantem o gás carbónico na fase líquida. À medida que se aumenta a temperatura, todas as moléculas de gás carbônico passarão do estado líquido para o gasoso ao mesmo tempo. Assim, estruturas muito próximas da amostra não ficarão juntas devido à tensão superficial que tenderia a aproxima-las à medida que o líquido entre elas evaporasse.

A interação de materiais biológicos com o feixe de elétrons é fraca, deste modo, para a amostra para ser analisada ela precisa passar por um processo denominado de metalização. São adicionados materiais condutores na em sua superfície, normalmente átomos de ouro (Figura 9).

Figura 9:

Formiga pronta para ser visualizada e analisada em um microscopio eletrônica de varredura.

Por fim, o desenvolvimento deste tipo de microscopia tem permitido grandes avanços tanto em ciências biológicas como nas ciências de materiais. Novas gerações de microscópios permitem até observar amostras sem a necessidade de desidratação e metalização. Associado a isso, com uma melhora na resolução, a microscopia eletrônica de varredura tem se assumido um protagonismo na área de microanálises.
 
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