Ultraestrutura das Sinapses

Arthur Tributino Menezes

Introdução

Em um organismo complexo como o ser humano ocorrem inúmeros processos metabólicos o tempo todo. Essa miríade de processos é o que possibilita as mais variadas formas de interação desse organismo com o ambiente à sua volta: olhar uma paisagem e reconhecer elementos como árvores, flores, insetos, pessoas, carros. Perceber que as folhas das árvores apresentam diferentes tonalidades de verde. Sentir o perfume das flores. Fazer um movimento de reflexo rápido quando toca inadvertidamente um espinho e afastar a mão.

Esses breves exemplos de interações que uma pessoa pode ter com o ambiente à sua volta envolvem mecanismos biológicos de percepção, interpretação e reação ao estímulo recebido. Em outras palavras, são mecanismos biológicos que irão orquestrar uma série de eventos que irão ocorrer nesse organismo desde o recebimento de uma determinada informação (visual, auditiva, tátil, por exemplo) até a resposta que será dada a esse estímulo. De um modo prático, podemos pensar no exemplo de uma pessoa tocando um espinho. Uma cadeia de eventos biológicos começa a se desenvolver desde o momento que essa pessoa toca o espinho, em seguida sente a dor e recua rapidamente a mão.

Cadeias de processos biológicos como os mencionados anteriormente pressupõem a existência de mecanismos de transferência de informações, já que cada parte na cadeia desempenha seu próprio papel para que o evento em si seja levado à cabo. Assim, utilizando o exemplo anterior, a pessoa toca o espinho e esse estímulo é interpretado pelo sistema nervoso na forma de dor que, por sua vez, leva à um rápido afastamento da mão, o que já envolve também a contração muscular para o movimento do braço.

Como bem sabemos, o sistema nervoso é o grande responsável pela percepção dos estímulos ambientais (sejam eles visuais, olfativos, táteis, auditivos ou gustativos). Esse fluxo de informações viaja através das redes neurais passando de célula a célula através de zonas de comunicação entre elas, às quais denominamos sinapses. Nesse texto, iremos estudar um pouco mais profundamente as características das sinapses e como elas funcionam.

O que são sinapses?
Chamamos de sinapses as regiões de comunicação entre uma célula nervosa e outra célula envolvida na cadeia de transmissão da informação, a qual pode ser outra célula nervosa ou uma célula muscular, por exemplo. As sinapses podem ser de dois tipos: sinapses elétricas ou sinapses químicas. Nas sinapses elétricas as duas células adjacentes fazem contato físico através de suas membranas plasmáticas. Já nas sinapses químicas as membranas das células não se tocam diretamente, mas ficam um pouco afastadas entre si permitindo a existência de um espaço entre elas. A esse espaço damos o nome de fenda sináptica.

Tipos de sinapses

Sinapses elétricas

Neste tipo de sinapse a informação é transmitida de uma célula a outra pela passagem direta de corrente elétrica. Nas sinapses elétricas as membranas das células estão justapostas e estão ancoradas entre si através de junções comunicantes (gap junctions, figura 1 abaixo). Assim, a informação viaja de forma instantânea entre as células, sendo esta uma característica particular deste tipo de sinapse.

Figura 1 – Esquema representativo de uma região de junção entre duas células através de junções comunicantes em uma sinapse elétrica. As junções formam canais através dos quais os íons podem ser transportados entre as células (geralmente em um único sentido, como indica a seta negra que passa pelo interior do canal, mas há casos em que ocorre em ambos os sentidos). A abertura desses canais pode ser controlada pela célula para regular a passagem dos íons. Baseado em Aires, et al., 2012. (Créditos: Edilson Jacob)

Os canais das junções comunicantes são formados por dois hemicanais justapostos entre si (ou seja, um canal que é formado por duas metades, sendo que cada metade está associada à membrana de uma das células que fazem a sinapse). Cada hemicanal é composto por um conjunto de 6 conexinas, que juntas formam um conexon (que é outra forma de se referir a um hemicanal, figura 2). A abertura dos canais pode ser controlada pela célula, através de mudanças conformacionais sofridas pelas conexinas por mudanças no pH, concentração de cálcio intracelular, entre outros.

Figura 2 – Detalhe da organização das conexinas formando os hemicanais (connexons). No lado direito da figura enxergamos os canais vistos em corte transversal. Conforme indicado pela seta vermelha, os canais podem alternar entre um estado em que estarão abertos e outro em que estarão fechados. Baseado em Aires, et al. 2012. (Créditos: Edilson Jacob)

Sinapses químicas

Nas sinapses químicas as células envolvidas não estão justapostas entre si, como ocorre nas sinapses elétricas. Há um pequeno espaço (conhecido como fenda sináptica) entre as membranas das células adjacentes onde ocorre a liberação de substâncias químicas, os neurotransmissores, que irão fazer a transferência do sinal entre as células (Figura 3).

Figura 3 – Esquema representativo de uma sinapse química. De um modo geral, a informação é passada de uma célula a outra pela liberação de neurotransmissores que se ligam aos receptores da célula seguinte. A seta azul no interior da célula pós-sináptica representa os efeitos decorrentes da ligação do neurotransmissor ao receptor. Baseado em Aires, et al., 2012. (Créditos: Edilson Jacob)

Na região de sinapse da célula pré-sináptica há uma grande quantidade de mitocôndrias (o que indica alta atividade metabólica) e de vesículas contendo neurotransmissores. A despolarização da célula-pré-sináptica induz a fusão das vesículas que carregam neurotransmissores à membrana da célula, o que resulta na liberação dessas moléculas na fenda sináptica. Nessa região, a membrana da célula pós-sináptica apresenta diversos receptores que irão reconhecer e se ligar aos neurotransmissores liberados, o que implicará em efeitos metabólicos subsequentes nesta célula. A transmissão da informação por sinapses químicas é mais lenta do que por sinapses elétricas, porém aquelas são muito mais versáteis e permitem um controle mais refinado pelas células.

Neurotransmissores

Os neurotransmissores são as moléculas que irão atuar nas fendas sinápticas ligando-se aos receptores das células. Estas moléculas podem ser de diferentes naturezas (tabela 1), e a sua ligação aos receptores podem inibir ou estimular processos metabólicos de acordo com o contexto da sinapse.

Tabela 1 – Exemplos de neurotransmissores de acordo com a sua natureza química. Fonte: Aires et al, 2012.

Moléculas pequenas Peptídios
  • Acetilcolina
  • Aminas biogênicas
    • Catecolaminas
      (dopamina, norepinefrina, epinefrina)
    • Serotonina
    • Histamina
  • Aminoácidos
    • Glutamato
    • Aspartato
    • GABA
    • Glicina
  • Purinas
    • Adenosina
    • ATP
  • Substância P
  • somatostatina 14
  • TRH
  • LHRH
  • angiotensina-II
  • vasopressina
  • vasopressina
  • oxitocina
  • colecistocinina
  • VIP
  • neuropeptídio Y
  • neurotensina
  • bombesina
  • leu-encefalina
  • met-encefalina
  • α-endorfina
  • β-endorfina

Os neurotransmissores são produzidos pela célula e ficam armazenados em vesículas próximas às membranas pré-sinápticas das células (zonas ativas), até o momento em que serão liberados na fenda sináptica para ligarem-se aos receptores. O processo de liberação dos neurotransmissores envolve a despolarização da membrana da célula, o que abre canais de cálcio dependentes de voltagem provocando um influxo de íons Ca2+. O aumento da concentração de íons Ca2+ no citoplasma da célula promove a fusão das vesículas contendo neurotransmissores à membrana celular, e desse modo eles são liberados na fenda sináptica. Uma vez na fenda sináptica, essas moléculas vão desempenhar a sua função enquanto estiverem ali, e posteriormente podem ser degradadas, como é o caso da acetilcolina. Este neurotransmissor é hidrolisado na fenda sináptica por uma enzima, a acetil-colinesterase, quebrando-se em colina e acetato. A colina é recaptada e reutilizada em uma nova síntese de acetilcolina. Conhecer o modo de ação da acetil-colinesterase permitiu o desenvolvimento de um método de intervenção clínica em pacientes que apresentam a miastenia gravis. Esta é uma doença auto-imune que está relacionada com defeitos na transmissão sináptica que estimula as contrações musculares. O paciente desenvolve anticorpos contra os seus receptores de acetilcolina, de modo que quantidades menores destes receptores ficam disponíveis na superfície das células. Assim, o uso de reagentes que inibem a ação da acetil-colinesterase permite que a disponibilidade de acetilcolina nas fendas sinápticas seja maior, o que compensa um pouco a menor quantidade de receptores ativos nas células do paciente amenizando os sintomas da doença.

Proteínas relacionadas ao armazenamento, transporte e fusão de vesículas

Diversas proteínas desempenham papéis no armazenamento e transporte de vesículas que carregam os neurotransmissores, bem como na fusão dessa vesícula à membrana da célula para liberação de seu conteúdo na fenda sináptica. A família das sinapsinas, por exemplo, compreende um grupo de proteínas que se ligam à superfície citoplasmática das vesículas de reserva. Elas também se ligam a ATP e actina, e assim sustentam as vesículas em locais específicos no citoplasma da célula. Quando a célula é despolarizada, o influxo de íons Ca2+ promove a fosforilação das sinapsinas por uma quinase e assim elas liberam as vesículas às quais estavam ligadas, de modo que agora as vesículas podem ser transportadas até a zona ativa.

Outro grupo de proteínas envolvidas na fusão da vesícula à membrana celular compõem o chamado complexo SNARE (soluble N-ethylmaleimide-sensitive factor attachment protein receptor). Este complexo é composto pelas proteínas MUNC 18, sintaxina e SNAP-25 (Figura 4).

Figura 4 – Vemos que a proteína sinaptobrevina está associada à membrana da vesícula. O complexo SNARE (SNAP-25, MUNC 18 e sintaxina) está localizado na membrana da célula. A MUNC 18 então medeia as mudanças conformacionais dessas proteínas e elas interagem entre si de modo que a vesícula se aproxima da membrana da célula e a fusão entre as duas membranas ocorre, com a consequente liberação do neurotransmissor na fenda sináptica. Depois disso, as proteínas do complexo SNARE e a sinaptobrevina são recicladas e continuam desempenhando o seu papel na fusão de novas vesículas. (Créditos: Edilson Jacob)

Proteínas de ancoramento das sinapses

As células do sistema nervoso, ao longo do seu desenvolvimento, baseiam-se em diferentes sinais que guiam o crescimento dos axônios e permitem que estes reconheçam os seus alvos específicos, de modo que as sinapses sejam estabelecidas corretamente. Quando uma nova sinapse entre duas células é formada, uma série de proteínas de membrana auxiliam no reconhecimento entre as células e na manutenção da estrutura da sinapse como um todo. Entre essas proteínas estão as caderinas; neurexinas; neuroliginas; entre outras (Figura 5).

Figura 5 – Esquema mostrando algumas proteínas que participam do estabelecimento e ancoramento das sinapses. Baseado em Alberts et al., 2011. (Créditos: Edilson Jacob)

Caso ocorram mutações que afetem alguma dessas proteínas, o estabelecimento e a manutenção das sinapses pode ser comprometido, de modo que as células alvo não são reconhecidas e as sinapses não são construídas da maneira correta. Após o reconhecimento de ambas as células que estarão envolvidas na futura sinapse, uma série de outras proteínas são produzidas para compor todo o arcabouço proteico que desempenhará as mais variadas funções na fenda sináptica: canais iônicos; receptores de membrana; proteínas de ancoramento, entre outras.

Junção neuromuscular X sinapses do SNC

O encontro de um terminal neuronal com uma fibra muscular forma um tipo especial de sinapse denominada de junção neuromuscular, esse tipo de sinapse possui algumas características próprias que a diferenciam das sinapses típicas encontradas no SNC. Por ser relativamente mais fácil de estudar, foi através deste tipo de sinapses que os cientistas começaram a elucidar os mecanismos das sinapses químicas.

A região da fibra muscular que fica em aposição ao terminal neuronal na junção neuromuscular é denominada de placa motora. Nesta região, a membrana da célula muscular apresenta diversas invaginações, de modo que uma maior área de superfície da membrana da célula muscular está em contato com a fenda sináptica (figura 6). Além disso, há também uma membrana basal que recobre a fibra muscular e, portanto, também está presente na placa motora.

Figura 6 – Esquema representativo de uma junção neuromuscular. Aqui nota-se a presença de um maior número de zonas ativas, de modo que uma maior quantidade de neurotransmissores pode ser liberada. O grande número de receptores da placa motora, que tem a sua área de superfície aumentada por invaginações, se ligarão aos neurotransmissores e darão início aos eventos de contração musculas. Baseado em Bear et. al., 2008. (Créditos: Edilson Jacob)

Na membrana pré-sináptica há um grande número de zonas ativas e, além disso, na superfície da placa motora há uma grande densidade de receptores colinérgicos (receptores de acetilcolina). Essas características em conjunto permitem que um grande número de moléculas de neurotransmissores seja liberado em uma superfície bastante ampla, de modo que a transmissão sináptica na junção neuromuscular seja de grande eficiência.

As sinapses do SNC ocorrem entre neurônios, sendo que um único neurônio pode inervar vários outros, bem como um único neurônio pode ser inervado por vários outros também. Neste tipo de sinapses não são encontradas as invaginações que estão presentes na placa motora da junção neuromuscular, e também não há presença de lâmina basal. Como os neurônios podem ser inervados em diferentes regiões (no axônio, no dendrito ou no corpo celular), existe uma classificação das sinapses no SNC em: axodendrítica (axônio de um neurônio inerva dendrito de outro neurônio); axossomática (axônio de um neurônio inerva corpo celular de outro) e axoaxônica (axônio de um neurônio inerva o axônio de outro) (figura 7).

Figura 7 – Exemplos de tipos de arranjos sinápticos encontrados no SNC. (Créditos: Edilson Jacob)

Alguns neurônios especializados ainda podem formar sinapses dendrodendríticas (dendrito de um axônio inerva dendrito de outro). Além disso, as sinapses no SNC podem ter diferentes formas e tamanhos, de modo que sinapses maiores implicam em um maior número de zonas ativas na membrana pré-sináptica.

Graças à microscopia eletrônica hoje sabemos que em algumas dessas sinapses há diferença de espessura entre as membranas pré e pós-sinápticas, e isto está relacionado com a natureza das sinapses. Assim, sinapses assimétricas (membrana pós-sináptica é mais espessa que a pré-sináptica), também conhecidas como sinapses do tipo I de Gray, geralmente são excitatórias. Já as sinapses simétricas (mesma espessura de membrana pré e pós-sináptica), ou sinapses do tipo II de Grey, geralmente são inibitórias.

Links interessantes!

  • Mouse party! (Universidade de Utah) – Nesta animação em flash interativa, é possível aprender de forma divertida sobre os efeitos de diferentes drogas no cérebro, vendo como elas afetam as sinapses no SNC de camundongos.

Neste vídeo, Armando Hasudungan, um estudante que gosta muito de arte e ciências e tem um canal no Youtube sobre Biologia e Medicina, explica como funciona a sinapse na junção neuromuscular enquanto desenha esquemas para ilustrar o que ele fala.
Vale a pena conferir!

Referências

  • Aires, M. M. et al. 2012. Fisiologia. 4ª ed. Guanabara Koogan;
  • Alberts, B. et al. 2011. Biologia Molecular da célula. 5ª ed. Artmed;
  • Bear, M. F., et al. 2008. Neurociências – desvendando o sistema nervoso. 3ª ed. Artmed;
  • Kandel, E. et al. 2014. Princípios de neurociencias. 5ª ed. AMGH.