Laminopatias

Rafael Pegoraro

Introdução

A lâmina nuclear é constituída por proteínas chamadas laminas. As laminas são filamentos intermediários do tipo V e estão presentes na periferia interna do núcleo celular, abaixo do envelope nuclear, constituindo uma interface molecular entre essa estrutura da célula e a cromatina (Figura 1).
Dessa forma, a lâmina nuclear desempenha papel fundamental na vida celular, pois determina a integridade mecânica do núcleo além de exercer funções essenciais durante o processo de transcrição e replicação do material genético, bem como para desfazer o envelope nuclear durante a mitose e posterior remontagem nas células filhas.

Figura 1

Definição

Laminopatias são patologias originadas a partir de desordens estruturais presentes nas lâminas nucleares decorrentes de mutações em genes que codificam a proteína constituinte dessa estrutura celular (lamina).

Sintomas

Atualmente são conhecidas em torno de vinte doenças que são consideradas laminopatias, cada uma com suas respectivas características. No entanto, essas patologias são agrupadas de acordo com o tipo de desordens que causam: distrofia muscular esquelética, cardiopatia, lipodistrofia, neuropatia periférica e envelhecimento precoce, sendo que esses sintomas podem se manifestarem concomitantemente.

Aspectos genéticos e moleculares das laminas

As laminas podem ser do tipo A ou do tipo B. As laminas do tipo A são codificadas pelo gene LMNA, localizado no cromossomo 1q21.2. Esse gene codifica quatro subtipos proteicos por splicing alternativo do mRNA: Lamina A; Lamina C; Lamina AΔ10 e Lamina C2, sendo que os dois primeiros são os mais comuns e, portanto, alvos de maiores estudos.
Já as laminas do tipo B são codificadas por dois genes diferentes: LMNB1, que codifica a Lamina B1 e está localizado no cromossomo 5q23.2 e LMNB2, que codifica os subtipos B2 e B3 por mecanismo de splicing e se localiza no cromossomo 19p13.3.
Essas proteínas são compostas por um domínio α-hélice com extremidades N-terminal e C-terminal globulares. Além disso, elas possuem um padrão estrutural semelhante ao da imunoglobulina na cauda C-terminal e um sinal de localização nuclear (NLS) necessário para o endereçamento das laminas dentro do núcleo celular (Figura 2).

Figura 2

As laminas A, B1 e B2 também apresentam na extremidade C-terminal aquilo que é conhecido como “–CAAX box”. Trata-se de uma região responsável pelo reconhecimento de enzimas importantes nos processos de modificação pós-traducional como, por exemplo, o processo de farnesilação, mediado pela enzima farnesiltransferase e fundamental na mediação da interação proteína-membrana.
Em suma, “C” indica o resíduo de cisteína que será farnesilado, “A” é qualquer resíduo de aminoácido alifático e “X” determina a atuação dessa enzima quando X corresponder a um dos seguintes aminoácidos: metionina, serina, glutamina, alanina ou cisteína.
As laminas B1 e B2 são encontradas em todas as células somáticas do corpo humano, enquanto as do tipo A tem grande expressão em quase todas as células com algumas exceções como, por exemplo, em algumas células hematopoiéticas, células mesenquimais, células embrionárias que se encontram nos estágios iniciais do desenvolvimento e em muitos tipos de cânceres. Por outro lado, as isoformas C2 e B3 são específicas das células germinativas.

As laminopatias

As laminopatias afetam predominantemente os tecidos mesenquimais como o músculo esquelético, tecido adiposo, tecido ósseo, coração e tecido conjuntivo; sendo que existem laminopatias que afetam tecidos específicos do corpo humano e aquelas que têm uma atuação sistêmica. Pelo fato de existir grande incidência de fenótipos distintos nessas patalogias, as laminopatias são conhecidas por apresentarem uma dinâmica contínua.
Assim sendo, é difícil abordar cada doença individualmente, tendo em vista que cada uma delas tem suas particularidades. No entanto, duas delas ganham destaque na comunidade científica, devido sua incidência e a instigação que provocam. São elas: distrofia muscular de Emery-Dreifuss (DMED1) e a Síndrome de Huntchinson-Gilford (HGPS), mais conhecida como Progeria.

Distrofia Muscular de Emery-Dreifuss
É caracterizada por fraqueza e atrofia muscular, com contraturas precoces dos tendões dos cotovelos e de Aquiles, e é associada à cardiomiopatias.
Até o momento, se conhecem três tipos de DMED1: a ligada ao cromossomo X, a autossômica dominante, e a autossômica recessiva, sendo a primeira a mais comum. Essa doença consiste no tipo mais comum de laminopatia, com uma frequência de 1:100.000 pessoas.
Causas
A DMED1 ligada ao cromossomo X ocorre devido a uma mutação no gene que codifica a Emerina, uma importante proteína transmembrânica do envelope nuclear. Essa forma da doença afeta principalmente os meninos. (Figura 3)
Já a DMED1 autossômica dominante está relacionada com o aparecimento de uma mutação no gene LMNA, afetando os subtipos das laminas A/C.

Figura 3

Sintomas
A doença é caracterizada por uma tríade de sintomas:

• Contração precoce dos tendões de Aquiles e dos cotovelos
• Progressão lenta de perda de massa muscular e fraqueza nos músculos
• Problemas cardíacos como: alterações no ritmo do coração e cardiomiopatia

As alterações cardíacas costumam aparecer por volta dos 20 anos de idade, mas também podem se manifestar ainda na infância. Além disso, mulheres que carregam a mutação, mesmo que não manifestem a doença, tem um risco aumentado de sofrerem algum problema no coração quando mais idosas.

Tratamento
Não há um tratamento específico para essa laminopatia. Muito menos cura, justamente por se tratar de uma doença de caráter genético.
Dessa forma, procedimentos que mantenham a atividade muscular – como a fisioterapia – são fundamentais para os pacientes.

Síndrome de Hutchinson-Gilford
Trata-se de uma doença genética rara caracterizada por diversos fenótipos de envelhecimento precoce.
O termo “Progeria” é utilizado de forma incorreta para se referir especificamente a HGPS, já que esse termo corresponde a qualquer doença que apresente sintomas de envelhecimento precoce e não somente HGPS. São outros exemplos de progeria: Síndrome de Rothmund-Thomson, Síndrome de Bloom e Xerodermia pigmentosa.

Causas
A causa dessa laminopatia está relacionada ao não processamento pós traducional da molécula precursora da proteína lamina A, a Prelamina A. A proteína mutante apresenta uma deleção de 50 aminoácidos na causa C-terminal, resultando na sua constante farnesilação, ou seja, a molécula de farnesil não pode ser removida do conteúdo proteico. Essa molécula encurtada de Prelamina A farnesilada é chamada de Progerina. (Figura 4)

Figura 4

O acúmulo de Progerina na célula compromete o formato do núcleo celular (Figura 5), desencadeando os fenótipos.

Figura 5

Sintomas
As crianças parecem saudáveis ao nascimento, mas com o decorrer do tempo, apresentam déficit de crescimento. A partir do primeiro ano de vida, o fenótipo da doença já é nítido. A aparência desses pacientes é bem característica, pois eles apresentam o rosto pequeno e tamanho anormal da mandíbula em relação à cabeça, voz aguda, nariz comprido, olhos grandes, pele fina e calvície (Figura 6).

 

Figura 6

Além disso, problemas de saúde como perda auditiva, perda de tecido adiposo, perda de massa muscular, luxação do quadril, doenças severas do coração também são relatados.

Tratamento
Da mesma forma que na DMED1, não há um tratamento específico para HGPS e sim esforços na tentativa de reduzir os processos deletérios desencadeados pelos sintomas.
Um tipo de droga foi proposta, mas ainda está em fase de testes. Trata-se de um inibidor da enzima farnesiltransferase que impediria o processo de farnesilação e, consequentemente, o acúmulo de progerina no interior do envelope nuclear. No entanto, isso não significa a cura dessa laminopatia.

Outras laminopatias

• Síndrome atípica de Werner
• Síndrome de Barraquer-Simons
• Síndrome de Buschke-Ollendorff
• Doença de Charcot-Marie-Tooth
• Displasia de Greenberg
• Distrofia Muscular do tipo cinturas
• Doença de Pelizaeus-Merzbacher
• Anomalia de Pelger- Huët
• Displasia mandibuloacral

Referências

– MOUNKES, Leslie et al. The laminopathies: nuclear structure meets disease. Current Opinion In Genetics & Development, v. 13, p.223-230, fev. 2003.
– WORMAN, Howard J.; BONNE, Gisèle. “Laminopathies”: A wide spectrum of human diseases. Experimental Cell Research, v. 313, p.2121-2133, mar. 2007.
– J.WORMAN, Howard; COURVALIN, Jean-claude. The nuclear lamina and inherited disease. Trends In Cell Biology, v. 12, p.591-598, dez. 2002.
– DITTMER, Travis; MISTELI, Tom. The lamin protein family. Genome Biology, v. 12, p.222-236, maio 2011.
– SINHA, Jitendra Kumar; GHOSH, Shampa; RAGHUNATH, Manchala. Progeria: a rare genetic premature ageing disorder. Indian J Med Res, v. 139, p.667-674, maio 2014.
– GONZÁLEZ, Jose M.; Andrés, Vicente. Synthesis, transport and incorporation into the nuclear envelope of A-type lamins and inner nuclear membrane proteins. Biochemical Society Transactions, v. 39, p. 1758–63, 2011.
– BONNE, Giselè et al. Mutations in the gene encoding lamin A/C cause autosomal dominant Emery-Dreifuss muscular dystrophy. Nature Genetics, v.21, p.285-288, 1999.